24.1.09

Por trás do júbilo II

O anúncio da decisão de fechar a prisão americana de Guantanamo no espaço de um ano e de obrigar os agentes secretos americanos a cumprir rigorosamente o manual de interrogação que impede o uso de técnicas coercivas, vistas por alguns, eventualmente com razão, como tortura, foi recebido com alegria e como prova de que Obama é realmente muito diferente de Bush, de que as promessas eleitorais - às quais o próprio Obama ainda recentemente se referiu com "retórica eleitoral" - são para cumprir, marcando uma clara diferença entre a esquerda, suposta defensora dos direitos humanos, e a direita, sempre pronta a sacrificá-los. Como é habitual, a realidade é algo mais complexa do que esta visão supõe. Primeiro: as decisões de Obama foram tomadas sob a forma de "Executive Order", a qual pode ser revertida com uma ordem em contrário, dependente apenas da vontade do próprio presidente. Ou seja, Obama põe, Obama dispõe. Segundo: outras decisões de Obama permitem ver as decisões referidas como sujeitas a revisão em breve. Obama nomeou duas comissões: a primeira tratará de estabelecer procedimentos para lidar com os presos no contexto da Guerra Contra o Terror, actuais e futuros; a segunda, determinará se o manual de instruções é suficiente para interrogar com eficácia indivíduos com o treino e a motivação para lhes resistir, sabendo que as acções dos seus interrogadores estão circunscritas pelo cumprimento do manual em questão. Dennis C. Blair, futuro director dos serviços secretos (intelligence services), afirmou que, para além de ser necessário manter secreto o conteúdo do manual (o que dificulta o controlo por parte do defensores dos direitos humanos da sua correcção), pode ser necessário recorrer a outras técnicas para além das actualmente em uso. Em suma: as decisões em causa só satisfazem quem estiver disposto a fazer fé, uma fé sem limites, no presidente e nos homens por ele escolhidos; os contornos gerais das decisões são feitos para agradar aos críticos de Bush, mas se observados mais em pormenor, deixam ampla margem para a tomada de decisões duras em caso de necessidade; semelhantes decisões, se tomadas por Bush, seriam, muito provavelmente, alvo de severas críticas dos que actualmente comemoram. Ler Obama’s Wiggle-Room on Counterterrorist Policy e A False Move on Gitmo. Addendum: a respeito da disposição da mente progressista para ter fé em Obama e para lhe elogiar as palavras, actos e omissões que a Bush condenaria, recomendo a leitura deste texto, do qual colo um excerto: «Of course, Obama may somehow be able to overcome problems the previous administration had on some of these points. For one thing, liberal thinkers have begun their volte face: Thus civil liberties lawyer David C. Cole, a longtime critic of the Bush administration, now admits that “you can’t be a purist” and issue a blanket ban on indefinite detention without trial. After all, there is nothing “un-American” about that — the system has long allowed for indefinite detention of, for example, the criminally insane without trial.»

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