11.2.09

A abolição da democracia

Hoje, 11 de Fevereiro de 2009, passam dois anos desde que o povo português decidiu, em referendo, deixar de reconhecer o direito à vida a um grupo muito específico e particularmente vulnerável de seres humanos, aos fetos com menos de onze semanas de gestação. Digo "deixar de reconhecer" porque o direito está lá, em cada um dos fetos mortos por intervenção directa e intencional, química ou cirúrgica, de pessoas que juraram tudo fazer para defender a vida dos outros, actuando a pedido das pessoas que têm em relação ao ditos seres humanos o mais estreito dos vínculos: a maternidade e a paternidade. Neste dia de opróbrio, no qual se comemora (no sentido etimológico de "recordar em conjunto", não de celebrar) a decisão, tomada através de um instrumento democrático por excelência, de não reconhecer aos fetos o mais elementar, o primeiro dos direitos, e no qual se lamentam milhares de vidas ceifadas nas primeiras semanas de existência, urge reconhecer, guiados pelas palavras, sábias e inspiradas, do Papa João Paulo II, na sua encíclica Evangelium Vitae, que a democracia se voltou contra si mesma e se transformou em tirania, o regime no qual os mais fortes, pelo poder da força ou do número, decidem dispor da vida dos mais fracos: «20. (...) o primordial e inalienável direito à vida é posto em discussão ou negado com base num voto parlamentar ou na vontade de uma parte — mesmo que seja maioritária — da população. É o resultado nefasto de um relativismo que reina incontestado: o próprio « direito » deixa de o ser, porque já não está solidamente fundado sobre a inviolável dignidade da pessoa, mas fica sujeito à vontade do mais forte. Deste modo e para descrédito das suas regras, a democracia caminha pela estrada de um substancial totalitarismo. O Estado deixa de ser a «casa comum», onde todos podem viver segundo princípios de substancial igualdade, e transforma-se num Estado tirano, que presume poder dispor da vida dos mais débeis e indefesos, desde a criança ainda não nascida até ao idoso, em nome de uma utilidade pública que, na realidade, não é senão o interesse de alguns.

Tudo parece acontecer no mais firme respeito da legalidade, pelo menos quando as leis, que permitem o aborto e a eutanásia, são votadas segundo as chamadas regras democráticas. Na verdade, porém, estamos perante uma mera e trágica aparência de legalidade, e o ideal democrático, que é verdadeiramente tal apenas quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana, é atraiçoado nas suas próprias bases: « Como é possível falar ainda de dignidade de toda a pessoa humana, quando se permite matar a mais débil e a mais inocente? Em nome de qual justiça se realiza a mais injusta das discriminações entre as pessoas, declarando algumas dignas de ser defendidas, enquanto a outras esta dignidade é negada? ». Quando se verificam tais condições, estão já desencadeados aqueles mecanismos que levam à dissolução da convivência humana autêntica e à desagregação da própria realidade estatal.

Reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade: « Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado é escravo do pecado » (Jo 8, 34).»

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