10.6.10

Sed omnia in mensura et numero et pondere disposuisti

O cavalheiro pontuado e gentil sugeriu-nos uma aula do professor Thomas E. Woods iunior, académico da História nos Estados Unidos da América, sobre como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. Versão televisiva, destinada ao público em geral, da obra scripta que pode ser comprada no Brasil ou em Portugal, ou na língua original, e já citada pelo Luís a propósito da subserviência obamiana. Da série de aulas, recomendáveis desde o início, aqui fica a que tenta esclarecer o triste episódio de Galileu, carpido ad nauseam:


Nossa Senhora da Sabedoria, rogai por nós.

5 comentários:

Daniel Azevedo disse...

É interessante como o autor pára na altura certa e não descreve o processo de "retratação" - esse sim interessante para se perceber o "affair".
Mas as Apologia e a Panegíria têm estas coisas.

Para mim, como físico, o principal problema entre ciência e religião reside no simples facto de as duas serem incompatíveis na sua essência: uma é baseada na razão outra na fé.

Embora ache que o termo "razão" arraste com ele um "karma" execessivo. Parece que por oposição, religião é irracional (eu diria: ingénuo). Talvez "método cientifico" seja mais apropriado.

Mas acredito que o conflito surge quando as duas formas de pensar pretendem entrar no campo da outra.
Por exemplo a ciência a estipular o que é Vida e o Papa João Paulo II a congratular Stephen Hawking pelos seus estudos sobre a criação – Big Bang – mas admoestando-o de não ir mais longe porque esse era o domínio de Deus.

Francisco Vilaça Lopes disse...

Olá Daniel (e Luís, já li a vossa troca de comentários)
Com que então o Daniel é homem de sciência! Muito bem; é que eu tb sou - não lhe digo de qual pq vós fýsicos costumais achar que só a vossa é :D -, e não encontro incompatibilidade entre a ciência (toda ela, a sua inclusa) e a religião cathólica, antes pelo contrário. Por isso não compreendo as suas afirmações, e não sei que lhe responder por agora. Pode concretizar? Fazemos assim: eu nos intervalos da minha dedicação profissional à sciência investigarei sobre alguns pontos a que o Daniel alude, e responder-lhe-ei assim que puder; no entretanto o Daniel pode ir vendo os outros episódios do Woods desde o início (note que são apontamentos rápidos e dirigidos para o público em geral católico sem formação científica e sem grandes noções doutrinais, mas de qualquer modo um esforço louvável da parte daquele académico, que não é um cientista da natureza).
Abraço

Daniel Azevedo disse...

Caro Francisco

Esse tipo de físicos são exactamente o mesmo que os extremistas religiosos. E constatará que daquelas cabeças raramente sai algo inovador, mesmo na sua área.

Quando falo de "incompatibilidade" é na forma de análise/abordagem das duas "disciplinas". A ciência exige um extremo cepticismo e a religião a suprema crença.
Claro que o acto de "acreditar" é o mesmo, mas na religião existem uma infinidade de universos/realidades possiveis ao passo que em ciência apenas um serve - o que mais se aproxima do que nos é perceptivel.
Não sei se me faço entender?

Talvez esta imagem possa ilustrar(com algum humor) o meu ponto de vista:Miracle

Quanto ao Galileu. Acho que o episodio tem mais a ver com o poder (politico) da Igreja na Itália do que com ciência propriamente dita. E claro o Iluminismo vem na mesma "largura de onda".

Abraço
D.

Francisco Vilaça Lopes disse...

Olá Daniel, Obrigado pelo cartoon :D Note que a Igreja Cathólica tem grande reticência em recorrer à intervenção sobrenatural para explicar os acontecimentos; só o faz quando tem razões sérias para tal. Não tem a mesma postura perante a Fé e a Ciência (o termo razão refere-se à capacidade de raciocinar, que pode e deve ser usada nos dois campos) que outras denominações confessionais. Quando vi o Contacto do Carl Sagan chocou-me ver como eram retratadas as pessoas crentes: pareciam uns bárbaros analfabetos e ataviados, e perguntei-me onde raio foi ele buscar a ideia de que crer em Deus é aquilo. Mas isso seria outro tema.

A postura cathólica não tem nada a ver. É de facto possível crer-se na revelação divina transmitida pela igreja, e investigar a revelação natural da ciência. Note que não tenciono demonstrar-lhe as verdades de Fé, porque elas são indemonstráveis, ainda que credíveis. Demonstrar-lhe a credibilidade de toda a Fé cathólica tb seria difícil dado o âmbito deste blog, a minha disponibilidade pessoal, e a minha capacidade intelectual. Mas não me dou por derrotado :) e quero partilhar consigo algumas ideias.

Desde já destacar-lhe a frase do Cardeal Belarmino (vídeo 4.2, 8:25): "Se houver uma prova real de que o sol está no centro do Universo, de que a Terra está no terceiro céu, e de que o sol não se move à volta da Terra, mas a Terra à volta do sol, então teríamos que proceder com grande circunspecção em explicar passagens da Escritura que parecem explicar o contrário, e teríamos de admitir que não as compreendemos, em vez de declarar falsa uma opinião que é provada verdadeira. Mas, quanto a mim, não acreditarei que existem essas provas até que as veja." Ao Daniel não lhe chega esta posição? É um principio aplicável por exemplo ao Darwinismo ou outra teoria qualquer, verdadeiramente científica.

Ainda a propósito de Galileu, o texto Galileu em Portugal: "Tycho Brahe (1546-1601) sugeriu um outro sistema, em que a Terra estava parada no centro do Universo. O Sol e a Lua rodavam em torno da Terra, e os planetas em torno do Sol. Galileu (1564-1642) defendeu o sistema heliocêntrico de Copérnico (1473-1543), representado numa gravura retirada do seu «Diálogo dos Grandes Sistemas do Mundo» (1632). Os matemáticos jesuítas perceberam que as observações astronómicas de Galileu, nomeadamente das luas de Júpiter e das fases de Vénus, tinham destruído o sistema de Ptolomeu. Mas não quiseram abandonar a visão geocêntrica e aderiram ao sistema de Tycho Brahe, que era também compatível com as novas observações." E ainda, a título de curiosidade: "[E]m 1614, o padre Manuel Dias publicou na China o «Tien wen lueh», descrevendo já as observações astronómicas que Galileu tinha feito em 1609 e 1610. Numa altura em que as cartas de Pequim para Roma chegavam a demorar oito anos a chegar ao destino, quatro anos bastaram, mesmo com os longos meses da carreira da Índia, somados à paragem em Goa e aos meses da viagem até Macau, para que a Companhia de Jesus tivesse feito chegar ao Oriente as mais recentes e mais polémicas observações científicas da época." idem

Francisco Vilaça Lopes disse...

Em relação à retratação por João Paulo II, teria que investigar melhor o assunto. Ainda são documentos longos e só consegui encontrar em italiano. Fica para um dia destes.

Gostava de partilhar consigo ainda outro dado. Um discurso do Prof. Arantes Oliveira, Presidente da Academia de Ciências de Lisboa, sobre a dialética entre Fé e Ciência:

"Um exemplo típico, que remonta ao século XVII, foi o do conflito relativo ao sistema heliocêntrico, que levou ao famoso processo de Galileu. Foi claramente um caso em que o ponto de vista religioso teve que ser revisto: concluiu-se que os princípios defendidos pelos inquisidores eram os da astronomia de Ptolomeu, não os do Cristianismo, pelo que, embora a prazo mais longo do que seria desejável, a Igreja deu razão a Galileu. Recorde-se que, em 1992, João Paulo II apresentou publicamente desculpas sobre o modo como, no século XVII, as autoridades católicas conduziram o caso de Galileu, forçando este a retratar-se do heliocentrismo. O mesmo Papa afirmou que, “se a Ciência pode purificar a Religião da superstição, também a Religião pode purificar a Ciência de falsos absolutos”.
(...)
Uma prova tangível da importância que a Igreja reconhece à Ciência é a existência de uma “Pontifícia Academia das Ciências”, que hoje conta entre os seus membros cerca de 80 "académicos pontifícios", nomeados pelo Papa e eleitos pelos seus pares sem qualquer tipo de discriminação. Promover a pesquisa e estudar questões científicas de interesse para a Igreja são os objectivos que os norteiam. Provenientes de todo o Mundo, muitos dos membros dessa Academia, não só não são católicos, como nem sequer são cristãos. E a Academia em questão é, a nível mundial, a congregação científica com maior número de Prémios Nobel (43 até hoje), muitos dos quais eleitos antes de receberem o prémio. Ao consultar a lista dos membros da Academia Pontifícia, fiquei estupefacto ao verificar que o grande físico inglês Stephen Hawkins também para ela entrou em 1986. O que me surpreendeu não foi tanto o facto de João Paulo II o ter nomeado, mas que um duríssimo crítico da Igreja, agnóstico confesso, amargurado pela sua condição de paraplégico quase total, tivesse aceitado o convite do Papa. Só um profundo respeito pela intelectualidade católica pode explicar uma tal aceitação. O mesmo pode dizer-se de muitos dos seus pares."

Apareça quando quiser, neste post ou nos seguintes.
Abraço