4.8.10

Do Canto Septimo

A vos, ô geraçam de Luʃo digo,
  Que tam pequena parte ʃois no mundo:
  Não digo inda do mundo, mas no amigo
  Curral de quem gouerna o çeo rotundo:
  Vos, a quem não ʃomente algum perigo
  Eʃtorua conquiʃtar o pouo inmundo:
  Mas nem cobiça, ou pouca obediencia
  Da Madre, que nos çeos eʃtá em eʃʃencia.


Vos Portugueʃes poucos, quanto fortes,
  Que o fraco poder voʃʃo não peʃais,
  Vos que aa cuʃta de voʃʃas varias mortes
  A lei da vida eterna dilatais:
  Aßim do çeo deitadas ʃam as ʃortes,
  Que vos por muito poucos que ʃejais,
  Muito façais na ʃancta Chriʃtandade:
  Que tanto, ô Chriʃto exaltas a humildade.


Vedelos Alemães, ʃoberbo gado,
  Que por tam largos campos ʃe apacenta,
  Do ʃucceʃʃor de Pedro rebelado,
  Nouo paʃtor, & noua ceita inuenta:
  Vedelo em feas guerras occupado,
  Que inda co cego error ʃe nam contenta,
  Não contra o ʃoberbißimo Otomano:
  Mas por ʃair do jugo ʃoberano.


Vedelo duro Ingles, que ʃe nomea
  Rei da velha & ʃanctißima cidade,
  Que o torpe Iʃmaelita ʃenhorea,
  (Quem vio honra tam longe da verdade)
  Entre as Boreais neues ʃe recrea,
  Noua maneira faz de Chriʃtandade,
  Pera os de Chriʃto tem a eʃpada nua,
  Nam por tomar a terra que era ʃua:


Guardalhe por entanto hum falʃo Rei,
  A cidade Hieroʃolima terreste,
  Em quanto elle não guarda a ʃancta lei,
  Da cidade Hieroʃolima celeʃte:
  Pois de ti Gallo indigno que direy?
  Que o nome Christianißimo quiʃeste,
  Nam pera defendelo, nem guardalo,
  Mas pera ʃer contra elle, & derribalo.


Achas que tẽs direito em ʃenhorios
  De Chriʃtãos, ʃendo o teu tam largo & tãto,
  E nam contra o Cynifio & Nilo rios
  Inimigos do antigo nome ʃancto,
  Ali ʃe ande prouar da eʃpada os fios,
  Em quem quer reprouar da Ygreja o canto,
  De Carlos, de Luis, o nome & a terra
  Erdaʃte, & as cauʃas nam da juʃta guerra?


Pois que direy daquelles que em delicias,
  Que o vil ocio no mundo traz conʃigo,
  Gastão as vidas, logrão as diuicias,
  Eʃquecidos de ʃeu valor antigo:
  Naʃcem da tyrania inimicicias,
  Que o pouo forte tem de ʃi inimigo,
  Contigo Italia fallo, ja ʃumerʃa
  Em vicios mil, & de ti meʃma aduerʃa.


O miʃeros Chriʃtãos, pola ventura
  Sois os dentes de Cadmo deʃprarzidos,
  Que hũs aos outros ʃe dão aa morte dura,
  Sendo todos de hum ventre produzidos?
  Nam vendes a diuina ʃepultura
  Poʃʃuida de cães, que ʃempre unidos
  Vos vem tomar a voʃʃa antiga terra,
  Fazendo ʃe famoʃos pela guerra?


Vedes que tem por vʃo & por decreto,
  Do qual ʃam tão inteiros obʃeruantes,
  Ajuntarem o exercito inquieto,
  Contra os pouos, que ʃam de Chriʃto amantes.
  Entre vos nunca deixa a fera Aleto
  De ʃamear cizanias repugnantes,
  Olhay ʃeʃtais ʃeguros de perigos,
  Que elles & vos, ʃois voʃʃos inimigos.


Se cobiça de grandes ʃenhorios
  Vos faz yr conquiʃtar terras alheas,
  Nam vedes que Pactolo & Hermo rios,
  Ambos voluem auriferas areas,
  Em Lidia, Aßiria laurão de ouro os fios,
  Affrica eʃconde em ʃi luzentes veas,
  Mouauos ja ʃe quer riqueza tanta,
  Pois mouer vos não pode a caʃa Sancta.


Aquellas inuenções feras & nouas,
  De instrumentos mortais da artelharia,
  Ia deuem de fazer as duras prouas,
  Nos muros de Bizancio, & de Turquia:
  Fazei que torne la aas ʃilueʃtres couas,
  Dos Caspios montes, & da Citia fria,
  A Turca geração, que multiplica
  Na policia da voʃʃa Europa rica.


Gregos, Traces, Armenios, Georgianos
  Bradando vos eʃtão, que o pouo bruto
  Lhe obriga os caros filhos aos profanos
  Preceptos do alcorão (duro tributo)
  Em caʃtigar os feitos inhumanos
  Vos gloriay de peito forte, & aʃtuto,
  E não queirais louuores arrogantes,
  De ʃerdes contra os voʃʃos muy poʃʃantes.


Mas em tanto que cegos, & ʃedentos
  Andais de voʃʃo ʃangue, o gente inʃana,
  Não faltarão Chriʃtãos atreuimentos,
  Neʃta pequena caʃa Luʃitana
  De Affrica tem maritimos aʃʃentos,
  He na Aʃia mais que todas ʃoberana,
  Na quarta parte noua os campos ara,
  E ʃe mais mundo ouuera la chegâra.

1 comentário:

Luís Cardoso disse...

Lindo, Francisco.
Como eu te dizia há tempos, nada disto é novo.