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Visto que os cristãos fogem em grande número do Irã, tanto por razões políticas como religiosas, a comunidade cristã corre verdadeiro perigo de extinção, afirma o jornalista e observador das Igrejas do Oriente Médio, Camille Eid. Camille Eid é libanês e vive na Itália onde é professor do idioma árabe na prestigiada Universidade Católica de Milão e na Universidade Biccocca Milão. Ele é também presidente da Federação Árabe Fenícia que estuda a cultura árabe. Nesta entrevista, Camille Eid explica como é a vida para um cristão que vive no Irã e como e por que os cristãos persas são proibidos pelos muçulmanos de orar no idioma persa em seus cultos a Cristo.
Pergunta: O Irã tem 99% de muçulmanos e o islã é a religião do Estado. As raízes da Igreja no Irã são muito antigas e remontam ao século II. O cristianismo é a religião mais antiga do Irã?
Camille Eid: Não, temos duas comunidades mais antigas que o cristianismo. Em primeiro lugar, temos a comunidade zoroástrica, que remonta a vários séculos antes da chegada do cristianismo e do islã. Em segundo lugar, temos a comunidade judaica. A comunidade zoroástrica soma cerca de 20 mil pessoas, e a judaica, entre 20 e 35 mil. Estas duas comunidades são mais antigas que a cristã.
Pergunta: Hoje, o Irã é mais de 99% muçulmano. Como o islã permeia a vida cotidiana?
Camille Eid: Se você estiver nas ruas de Teerã, ou em qualquer parte do país, verá o retrato dos mártires, do Aiatolá. Se você usar o telefone de uma cabine pública, escutará a voz do imã Hussein lhe dizendo o que fazer.
Pergunta: Assim que você tira o telefone do gancho, ouvirá imediatamente uma voz (gravada) do imã?
Camille Eid: Sim. E nas escolas são permitidas diversas disciplinas, mas por meio da perspectiva que se baseia no Alcorão e no Hadit e outras ciências islâmicas.
Pergunta: A imagem do Aiatolá está estampada na capa dos livros de catecismo?
Camille Eid: Exatamente. E pode ser uma forma de mostrar que os cristãos estão sob a proteção do regime e são considerados dhimmis (pessoas protegidas) na lei Sharia islâmica. É uma forma de dizer que vocês (os cristãos) estão sob nosso regime (islâmico).
Pergunta: Eu ia lhe perguntar sobre as patrulhas que fiscalizam se as mulheres se vestem de modo adequado.
Camille Eid: É assim. Algumas vezes utilizam a linha dura e outras, não, dependendo do regime. Sob Khatami, por exemplo, foram um pouco mais liberais porque as crianças podiam mostrar um pouco de sua cabeça. Sob Ahmadinejad é mais restrito.
Pergunta: Atualmente a restrição é maior com a vestimenta completa?
Camille Eid: Sim. Só se deve mostrar o rosto. Há mulheres que cobrem as mãos e o rosto.
Pergunta: O número de cristãos é de cerca de 100 mil em uma população de 71 milhões. Como são vistos os cristãos no Irã?
Camille Eid: Os cristãos são vistos como minorias étinicas porque são predominantemente armênios, e sírio-caldeus. Temos 80 mil armênios ortodoxos que também são chamados de armênios gregorianos ou apostólicos, 5 mil católicos armênios, e cerca de 20 mil sírio-caldeus, e mais outras comunidades como igrejas latinas, protestantes, que, todas juntas, somam entre 100 e 110 mil cristãos. São vistos como minorias étnicas e, como tais, não é permitido que celebrem seus ritos em parsi (o idioma persa), mas sim em armênio ou caldeu.
Pergunta: Para distingui-los como estrangeiros?-
Camille Eid: Não só por isso, mas para evitar que sejam atrativos e compreendidos pelos iranianos locais.
Pergunta: Para evitar que os iranianos se sintam atraídos pela fé cristã?
Camille Eid: Sim, para evitar que os iranianos compreendam o que os cristãos dizem. Só houve um caso; foi em Teerã poucos dias depois da morte do Papa João Paulo II, e o sacerdote leu as Escrituras em parsi na presença das autoridades. Este foi um caso excepcional.
Pergunta: Mas ainda assim o Parlamento reserva três assentos para os cristãos. Portanto, os cristãos têm voz dentro da estrutura parlamentarista?
Camille Eid: De fato, a República Islâmica conservou a Constituição de 1906, que reserva cinco assentos para as minorias – três para os cristãos, um para os zoroástricos, e outro para os judeus.
Pergunta: Os direitos cristãos estão garantidos pela Constituição?
Camille Eid: Não. No artigo 13, é mencionado que todos os iranianos são iguais pela raça e pela língua, mas não se mencionada nada pela religião. No artigo 14, se me permite lê-lo: “todas as comunidades não muçulmanas se absterão de tomar parte em conspirações contra o islã e contra a República islâmica do Irã”. E por último, o artigo 19 estabelece: “todos iranianos de qualquer grupo étnico devem gozar dos mesmos direitos e a cor, raça ou língua não oferecem privilégio algum”. Aqui também não há nenhuma referência à religião.
Pergunta: Mas não diz, dentro do artigo 13 da Constituição, que os cristãos são permitidos de expressar seus desejos e praticar sua fé?
Camille Eid: Sempre que não formem parte de conspirações contra a República do Irã. O que significa isso? Significa protestar contra o regime? O problema do Irã é ser um regime teocrático. Assim a oposição ao regime como uma ação política pode ser interpretada como agir contra a República Islâmica. Dentro da comunidade islâmica, estão os liberais e os conservadores. Ao protestar contra o Aiatolá Khamenei estão protestando contra o corpo político do regime ou contra o religioso? Quando o regime político e religioso tem a mesma formação, um ataque contra o corpo político é considerado um ataque a um aspecto religioso do regime teocrático.
Pergunta: Quais as restrições que os cristãos enfrentam em sua vida diária?
Camille Eid: Bem, para os cristãos é difícil encontrar trabalhos na administração pública. Mesmo diretores de colégios cristãos são muçulmanos, mas com uma exceção. Em Esfahan, há três ou quatro anos, quando o governo nomeou um armênio para o Colégio Armênio. Mas na maioria dos casos os diretores das escolas cristãs são muçulmanos. Isso para os poucos colégios cristãos que ficaram após os confiscos de 1979 e 1980. Outro exemplo no Exército. Há alguns anos descobriram que um oficial, o coronel Hamid Pourmand, havia se convertido ao cristianismo. Foi processado e foi levado à corte marcial, mas graças à pressão internacional pôde abandonar o Irã. É muito difícil que os cristãos estejam em cargos altos do governo no Irã.
Pergunta: Que vida tem um muçulmano convertido?
Camille Eid: Nada pode confessar sua fé dentro do Irã. Só é possível se for ao estrangeiro. Conheço duas famílias iranianas na Itália que são convertidas. Uma das famílias cruzou a fronteira entre Irã e Turquia no inverno. Foi difícil, mas conseguiram asilo. Dentro do Irã não podiam expressar ou mostrar sua fé porque enfrentariam a morte. Não é Fácil.
Pergunta: Queria tocar na questão da fuga de cristãos do Irã após a revolução islâmica de 1979. Cerca da metade da população cristã abandonou o país e existe, até onde pude ler e entender, cerca de 10 mil famílias que abandonam o Irã a cada ano. O que significa isso para a comunidade cristã no Irã?
Camille Eid: Tanto os muçulmanos quanto os não muçulmanos sofrem com a pressão política, mas os cristãos sofrem o dobro, porque é o aspecto político do regime que é questionado pela maioria dos iranianos e, sobre este fato, há a pressão religiosa para os não muçulmanos. Essa é a razão desta fuga massiva e, de fato, há um verdadeiro perigo de desaparecimento, de uma extinção do cristianismo no Irã.
* * *
Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para o programa de TV “Lá onde Deus chora”, um programa semanal produzido por Catholic Radio and Television Network (CRTN), em parceria com a organização cristã católica Ajuda à Igreja que Sofre. Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt
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