17.1.11

Entrevista a Roger Scruton

O blogue Dextra presta um inestimável serviço ao mundo lusófono com as suas traduções.
Aqui deixo parte considerável de uma entrevista a Roger Scruton acabada de publicar:

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Entrevistador: Diederik Boomsma, Clarion Review, 9 de outubro de 2009
Professor [Roger] Scruton, além de escrever e ensinar, o Sr. administra uma empresa de consultoria agrícola, juntamente com sua esposa, e também uma fazenda. Sua fazenda é lucrativa ou  é mais um passatempo?
Pouquíssimas fazendas são lucrativas e a nossa existe mais para consolidar nossa identidade como uma consultoria agrícola e fábrica de idéias. Nossos vizinhos transformam grama em leite e têm perdas; nós transformamos grama em idéias e temos lucro. Criamos nossos cavalos, dos quais cuidamos, e deixamos nossos vizinhos usarem o pasto para suas vacas: as vacas também, vistas da janela, podem facilmente ser transformadas em idéias. Nós também criamos galinhas e às vezes porcos, que transformamos em salsichas, depois de seu breve tempo como idéias.
Como o Sr. encontra tempo para escrever, ensinar, ser fazendeiro, dar consultorias, caçar e viver? O Sr. segue uma disciplina diária severa?
Tenho sido abençoada com energia e disciplina desde terna idade. E observo uma disciplina severa: borgonha branco às 7:30 da manhã e claret ao jantar.
O Sr. "saiu da imaturidade nos anos 60", como o Sr. escreve em sua autobiografia Gentle Regrets [Suaves Pesares] (Continuum, 2006), e com um pai que era um professor socialista. Como foi que o Sr. se tornou um conservador?
Não sei ao certo se me tornei mesmo um conservador, embora eu faça esta descrição. Antes, descobri que sou um conservador e descobri isto principalmente observando a auto-indulgência que sobreveio em 1968. A partir de então, eu soube que, independente do que eu fôsse, eu era contra o Movimento e a Revolução. Então, eu parti para descobrir um novo modo de ver as coisas, baseado na aceitação daquilo que de bom nos foi deixado por nosso passado europeu e que deveria ficar livre de qualquer rebelião petulante.
Por que etapas o Sr. então passou na descoberta e resgate deste novo modo de ver e o que fez o Sr. dar início ao movimento conservador?
Eu descrevi alguns deles em Suaves Pesares. Eu tentei descobrir outros -- acadêmicos, jornalístas, gente com interesse no estado da cultura nacional e discutir o assunto com eles. Eu ajudei a fundar o Grupo Salisbury, assim batizado por causa do primeiro-ministro, que é desconhecido hoje (o que prova sua grandeza). Consegui descobrir um número suficiente de acadêmicos alquebrados e ex-políticos geriátricos para fazer a coisa parecer plausível e em 1982 eles me indicaram como editor-fundador da Salisbury Review. Esta foi a primeira revista a alertar para a ameaça da crescente islamização de nossas cidades. Ela foi prontamente banida de bibliotecas universitárias e sues autores sujeitos a campanhas de difamação: vários perderam o emprego em consequência de escreverem para ela. Enquanto isto, eu havia fundado (com alguns amigos) o Grupo de Filosofia Conservadora, em 1974 -- destinado a injetar idéias conservadoras no Partido Conservador. Isto foi considerado tão absurdo pelo Partido que a simples menção, quando tentei apresentar minha candidatura em uma eleição, na prática encerrou a minha carreira política. No entanto, por causa destes esforços, eu fui convidado a escrever para o Times e meus artigos atraíram muita atenção. A partir de The Meaning of Conservatism [O Sentido do Conservadorismo], eu comecei a tornar o conservadorismo respeitável. E eu acho que se tornou. Mas acho que eu mesmo não.
O Sr. descreveu o conservadorismo como sendo "amar o mundo pelo que ele é." O que o Sr. quer dizer com isto?
O conservadorismo envolve, como você diz, amar o mundo como ele é -- não todo ele, mas aquela parte que conseguimos receber dos mortos. Isto significa reconhecer o quanto é mais fácil destruir que criar. Isto envolve uma atitude de amizade em relação à comunidade, ao invés de um desejo de refazê-la em cumprimento a algum objetivo oni-abrangente. E assim por diante.
O que diferencia o conservadorismo do liberalismo ?
O problema com o liberalismo clássico é que ele nunca pára para examinar o que está em questão quando se diz "não prejudicar os outros." Será que deixo os outros ilesos quando destruo minha capacidade de me relacionar pessoalmente por causa do uso de drogas, promiscuidade e vício em pornografia? Será que deixo os outros ilesos quando me entorpeço com música pop? Não tenho nada contra o individualismo, desde que se reconehça que o indivíduo é criado pela comunidade e pelos limites morais que aí prevalecem. O indivíduo não é a fundação da sociedade, mas seu sub-produto mais importante.
De que modo os tabus sexuais são uma preparação para o amor? Por que eles protegem a possibilidade de um relacionamento sexual normal ?
Relacionamento sexual normal é aquele no qual o desejo toma uma forma pessoal e responsável, que coloca a mutualidade acima da gratificação e que tem como ideal a meta de um compromisso de longo prazo -- um compromisso que permita aos parceiros irem além do desejo. Este tipo de normalidade é ameaçado pelo culto à juventude, pelo tipo de educação sexual que torna a tecnicalidade mais importante que o auto-controle e pelo medo ao compromisso. A pornografia deveria obviamente ser removida da esfera pública: mas o problema é que a fronteira entre o público e o privado foi dissolvido pela internet e só medidas radicais poderiam agora ser consideradas. Se elas não forem introduzidas, entretanto, eu temo que as relações sexuais humanas serão tão lesados que eles gradualmente refluirão a uma espécie de narcisismo universal.
Muita gente considera o conservadorismo uma forma de nostalgia romântica, uma reverência irracional ao passado. Como o Sr. responderia a isto?
Todas as formas de crença social e política que temos diante de nós, hoje, se relacionam com o movimento romântico, pois este é o arquétipo de nossa contínua tentativa de viver de acordo com nossos próprios planos. Na verdade, isto se aplica mais ao socialismo do que ao conservadorismo -- sendo o socialismo uma espécie de nostalgia mórbida do futuro, que é ainda mais prejudicial do que a nostalgia do passado. E esta palavra, "nostalgia" -- o que significa? A ânsia pelo nostos, o "retorno ao lar", o Heimkehr, que é o coração de qualquer reflexão séria sobre nosso tempo na terra. Só é preciso se distinguir entre as formas positivas e negativas dela. O Renascimento foi um grande movimento de nostalgia em relação ao mundo clássico; e veja como ele abalou tudo!
O Sr. fala em favor da preservação do estado-nação como uma realização ocidental única. O que há no estado-nação que faz o Sr. defendê-lo como a melhor fonte de identidade e objeto de lealdade?
A coisa mais importante a respeito do estado-nação é que ele defeine uma forma de lealdade territorial, sujeita a uma lei secular. Ela nos diz: viva de acordo com o código de boa-vizinhança, viva com os estranhos que vivem ao seu lado e defenda seu lar comum daqueles que gostariam de destruí-lo. A alternativa a este tipo de lealdade não é alguma camaradagem planetária do tipo que só faz sentido em conferências de consmopolitas ricos, mas uma lealdade religiosa, do tipo exemplificada pelo Islam, da qual os estranhos estão excluídos, e que rejeita o território e a lei secular como irrelevantes. Nós veremos o dano que será causado por esta forma de lealdade nos próximos anos e em resposta a ela os europeus terão que concordar comigo a respeito do estado-nação. Mas será uma dura lição.
Que consequências prejudiciais tem o livre-mercado? E por que modos o mercado deveria ser limitado?
O mercado, deixado por sua própria conta, põe tudo a venda; daí o problema da pornografia. Nós não permitimos que as crianças sejam vendidas -- não ainda: mas permitimos, sim, que sejam tratadas como bens mercantis quando elas estão no útero. É óbvio demais, quando se olham estes fatos, que o mercado só é bom quando controlado pelo sentimento moral -- como Adam Smith reconheceu. O mercado deveria ser limitado por leis refletindo as necessidades da vida moral. Certas coisas deveriam ser recolhidas do mercado, do mesmo modo que a religião sempre tentou preservar os aspectos da vida humana dos quais a reprodução da sociedade depende.
O Sr. sugeriu, há pouco, que o Islam religioso vai causar muitos problemas. Qual é o principal problema do Islam? E quais são suas opiniões a respeito do atual 'choque de civilizações'?
Os principais problemas do Islam são dois: é difícil conciliar o status do Corão com as idéias modernas de leis e governo; e sua obssessão com a sexualidade feminina. É impossível aceitar a idéia de que o Corão e a Suna contêm a totalidade das leis, que Deus é o autor destas leis e que a lei de um corpo secular também pode se pronunciar sobre os mesmo assuntos com resultados diversos. Portanto, o Islam está sempre em conflito potencial  com o estado-nação e com a legislação secular criada para mediar entre comunidades religiosas. Tudo isto está bem documentado e não há resposta possível, exceto aquela reconhecida pelos cristãos desde o tempo de São Paulo -- a saber, que  a lei de Deus diz respeito a nossos deveres para com Ele, mas não a organização da sociedade. A obssessão com a sexualidade feminina significa que o Islam não pode ser facilmente conciliado com as condições modernas, nas quais as mulheres exigem algum tipo de igualdade com os homens e têm um papel na determinação da natureza e obrigações da vida pública. Os turcos superaram isto, mas só porque Atatürk proibiu a poligamia, o vestuário islâmico e as formas normais de discriminação. Se a experiêncai turca se mostrar durável, talvez este problema possa ser superado. Seria correto falar de choque de civilizações se o Islam ainda tivesse uma -- mas ela foi perdida, deixaram ela cair em algum lugar do deserto e nunca mais pegaram. Se uma pessoa viaja pelo Oriente Médio hoje e procura por exemplares de Al-Farabi, Ibn Sinna, Rumi, Hafiz, ou mesmo das Mil e Uma Noites -- ela vai se decepcionar. Claro, também estamos perdendo nossa civilização. Mas ela ainda não foi proibida.
Como os governos do Ocidente deveriam lidar com o desafio de integrar os imigrantes que já estão presentes em nossas sociedads?
O muilitculturalismo sempre foi movido por ressentimento e hostilidade em relação à herança européia. É uma filosofia da fragmentação, cujo resultado seria reduzir nossas organizações políticas estáveis àquelas que predominam nos Bálcans e no Oriente Médio. Os imigrantes islâmicos devem ser encorajados a se integrarem por quaisquer meios que se possam criar. E se eles não quiserem se integrar, eles devem ser encorajados a irem para outro lugar, de modo a serem governados por um sistema que se adeque melhor a suas aspirações.
No cerne de sua filosofia está a constatação de que a Europa está passando por uma crise cultural, em seguida ao desastre da modernidade e seu resultado pós-moderno.
A cultura é um nome amplo para uma gama de sentimentos interpessoais e nosso modo de chegar ao auto-conhecimento através de nosso relacionamento com os outros. Em todas as sociedades até hoje, ela dependeu de um alicerce de fé religiosa ou pelo menos de uma idéia do sagrado e da presença observante dos deuses. Nós carecemos deste alicerce; mas o fato de que estamos à deriva não significa que devemos comer uns aos outros como marinheiros após um naufrágio. Devemos encontrar o caminho de volta à decência e é isto o que a cultura pode nos oferecer.
Então, por meio de Mozart, de Shakespeare, da leitura da poesia e da avaliação estética destas e outras obras, podemos recuperar uma idéia do sagrado?
É óbvio que pode-se recuperar muito mais do que uma idéia do sagrado a partir de Mozart et al. O mais importante é que pode-se familiarizar com a idéia de que a vida é algo que importa, que é algo mais importante que o prazer e o sofrimento, o que faz valer a pena estarmos aqui. Sem esta idéia da importância da vida, as pessoas tornam-se infelizes, pois tudo o que elas fazem parece arbitrário e incompleto.
A via da alta cultura pode servir como um substituto para a fé religiosa? A via estética não está restrita a uma pequena elite?
Nada pode substituir a fé sobre a qual uma civilização foi construída. Mas a alta cultura pode beneficiar a todos, mesmo que seja só uma elite que participe diretamente dela. A ciência benficia a todos, muito embora só uns poucos a entendam. Acredite ou não, o mesmo vale para Beethoven, comos os ingleses descobriram na última guerra. Os concertos e transmissões de música clássica, sobretudo da quinta de Beethhoven, tornaram-se símbolos de uma rebeldia que não poderiam ser facilmente representados pela cultura popular, que não ia tão longe dentro do espírito. As elites são necessárias aos que não pertencem a elas; e aquilo que serve como alimento para o espírito dos líderes é alimento para os que seguem.
Será que os juízos moral e estético são a essência da cultura -- ao passo que a modernidade, em suas raízes, é uma tentativa de escapar totalmente aos juízos?
Sim, para muitas pessoas, o objetivo é escapar ao juízo. E estas pessoas devem ser julgadas.
O Sr. descreveu a importância de 'ritos de passagem' para se crescer de forma adequada. Quais ritos de passagem, por exemplo?
O mais importante rito de passagem para um adolescente é a transição das relações auto-centradas para a declaração de um compromisso -- era disto que se tratava o casamento. Temos que reconstruir este tipo de rito para que os adolescentes possam ter a experiência -- vital para a felicidade - de se entregarem para outros, ao invés de receberem.
O Sr. já escreveu que muitas instituições educacionais permanecem sob o controle de uma "cultura do repúdio" nihilista. O que os estudantes modernos podem fazer para adquirirem uma educação adequada e se civilizarem, dadas as distrações da vida moderna?
A auto-ajuda é uma filosofia tão válida hoje quanto no século 19. Eu me lembro de ter visitado estudantes nos antigos países comunistas que tinham sido expulsos das universidades e tomavam a iniciativa de convidar pessoas do Ocidente (e sobretudo anti-socialistas como eu) para falar para eles. Pessoas inteligentes sempre conseguem se erguer acima de seu meio, desde que se armem com as três grandes armas conservadoras: o humor, a ironia e o desprezo.
Em seu livro recente, Culture Counts: Faith and Feeling in a World Besieged [A cultura importa: Fé e Sentimento em um mundo sitiado] (Encounter Books, 2007), o Sr. termina com uma nota de otimismo: "Os rumores sobre a morte de nossa cultura foram grandemente exagerados." Que sinais de esperança o Sr. vê?
É sempre bom terminar com uma nota otimista, como o criado de Napoleão. Em relação a sinais de esperança: os poucos porém obstinados jovens jovens que saem do sistema universitário com uma educação, apesar de todos os esforços dos professores para impedi-los de a adquirirem;  a sobrevivência da música clássica e de certas tradições folk, como o bluegrass, apesar da indústria "musical"; a sobrevivência admirável da alfabetização; e a habilidade, observada em vários lares de nossa vizinhança, de desligarem a televixão. E também o fracasso das sociedades pós-modernas em se reproduzirem, com o rápido declínio demográfico dos esquerdistas.
O Sr. recentemente se mudou para os Estados Unidos e agora divide seu tempo entre o interior da Virgínia e a Inglaterra. Do que o Sr. mais gosta na Virgínia? E do que o Sr. sente falta na Inglaterra e que seria mais bem-vindo se fosse possível trazer no avião?
Os refugiados do estatismo europeu sempre ficam espantados em descobrirem na América uma sociedade na qual as pessoas ainda sentem prazer no sucesso dos outros. O ressentimento ainda não é a atitude dominante lá. E quando há um desastre, as pessoas se apressam em ajudar. Eles também se oferecem como voluntários para serviços de resgate e coisas assim e têm um interesse real em melhorar a comunidade -- uma coisa que Tocqueville notou no século 19 e ainda é verdade hoje. A América é uma sociedade fundada no ato de dar, não de pedir. A Europa é uma sociedade construída sobre os "direitos humanos"; em outras plavras, exigências mesquinhas por cuidados alheios.
Por outro lado, há aspectos da Europa -- e da Inglaterra, em particular, de que sinto falta lá. A mais importante é uma legislação urbanística construtiva e sensata. A América é uma bagunça, com cidades esfaceladas e evisceradas, áreas centrais metropolitanas que são abomináveis e não têm semáforos ou espaços públicos e uma zona rural invadida pela expansão dos subúrbios. É espantoso ver que um país tão rico e tão bem bem abastecido pela natureza tenha decidido tornar-se um depósito de lixo. Por outro lado, em muito deste lixo aparece um sorriso da Disneylândia e devemos ficar gratos por isto.
Qual será seu próximo projeto?
Eu estou sempre trabalhando em algo, mas também sempre ansioso para acabar.
Roger Scruton, escritor e filósofo, também é o conservador inglês de leitura mais difundida hoje. Ele é pesquisador do Instituto de Ciências da Psicologia, em Arlington, na Virgínia. Visite seu site para saber mais sobre suas recentes publicações e atividades culturais: http://www.rogerscruton.com/.
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