Depois, há que fazer alguns reparos, começando logo pelo título do documentário: o título transmite a mensagem, sem que qualquer sustentação seja apresentada no decurso do próprio documentário, segundo a qual os moderados representam o islão e os extremistas, designados "islamistas", representam uma facção minoritária e condenada ao ostracismo dentro das suas comunidades.
A ideia com que se fica após ver o documentário na íntegra é justamente a contrária: os moderados parecem estar não apenas em minoria numérica, como ― e este é, porventura, o aspecto mais importante ― bastante desaparelhados para o confronto teológico com os extremistas. Têm do seu lado as conquistas da civilização ocidental, que prezam e defendem, com grande coragem, arriscando vida e património ― a democracia, a liberdade de expressão e de culto, etc. ―, mas os seus oponentes dentro do islão não estão interessados nesses argumentos. Sempre que a discussão se centrar nas fontes islâmicas, os moderados ficarão em desvantagem.
Em suma: o título do filme poderia ser, talvez até com mais propriedade, «Moderados vs. Islão». A opção feita pelos autores é, sem dúvida, menos alarmante, mas, receio, algo enganadora. Os moderados representam, na verdade, aquilo que nós, ocidentais, gostaríamos que o islão fosse; os outros, infelizmente, parecem ser aquilo que o islão é.
Algumas palavra a respeito dos protagonistas, de um e de outro lado.
Da parte dos extremistas ― talvez lhes devêssemos chamar "ortodoxos" ―, apreciei, sobretudo, os momentos de candura, da mais absoluta franqueza, em total contraste com as declarações do imã radicado na Dinamarca, já perto do final, a respeito da crise das caricaturas, onde a duplicidade do discurso ― apaziguador, para consumo ocidental; incendiário, para as massas muçulmanas ― fica bem patente. Agarram-se aos livros, invocam a absoluta soberania de Alá em todos os domínios da existência humana, expõem o seu desejo de cumprir o mandamento divino de implantar a soberania do islão mundialmente, pela força se necessário.
Em relação aos moderados, fica, sobretudo, uma grande simpatia, um sincero afecto por estes homens corajosos, que se propõem a titânica tarefa de compatibilizar o islão com a civilização ocidental moderna, democrática e liberal. Conhecem os riscos, mas afrontam os seus adversários com determinação. Fica-se, infelizmente, com a sensação de que, pelo menos alguns, terão sido educados e apenas conhecem uma versão parcial do islão, e não o islão conquistador, belicoso. Praticam um islão de Meca, alheios ao de Medina, como se a doutrina da Abrogação não determinasse a revogação dos versículos pacíficos e tolerantes por outros, posteriormente revelados ― segundo crêem os muçulmanos ―, agressivos, expansionistas, intolerantes.
Feitas estas ressalvas, resta dizer que este filme é incomensuravelmente superior a qualquer artigo, reportagem ou documentário, apresentado nos nossos media, ao qual tive acesso.
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