nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura
7.9.10
A questão palestina: um problema criado para não ter solução. Parte I.
Levando em conta que um post não deve exceder uma certa dimensão, me proponho a fazer uma pequena descrição da evolução do conflito que opõe judeus e palestinos numa série. Com vista à brevidade, utilizarei os termos judeu, palestino, árabe, muçulmano e outros nos seus significados populares, assim como as designações geográficas, sujeitas às constantes mudanças políticas sucedidas ao longo dos períodos abordados.
Estudei essa questão exaustivamente e não temo dizer que quanto mais a estudo, mais complexa se torna a trama e a necessidade de investigação de factos particulares enigmáticos, ainda que o seu contexto geral se torne mais claro e assim sugira um modelo teórico sólido.
Digo isso pois a História, cuja principal fonte é o documento, se restringe ao mundo revelado, o que põe de lado toda a actividade subterrânea, que no caso da História desse conflito é um aspecto de importância invulgar.
O problema central da questão que opõe árabes a judeus, ao menos ao nível do discurso legitimador dos ataques a Israel, discurso ideológico que distorce as opiniões de todas as correntes, é o problema representado pelos refugiados palestinos; problema do qual Israel, posso afirmar desde já, está isento de culpa.
É preciso avançar para a época do mandato britânico para se entender os desenvolvimentos posteriores que nos trazem ao presente. Seria melhor avançar ainda mais em direcção ao passado, mas o que interessa aqui não é fazer uma História detalhada do conflito, mas apenas ajudar a compreensão do que se passa e dar subsídios a quem deseje se livrar dos preconceitos constantemente repetidos pelos media e por políticos ignorantes ao serviço de interesses discretos, mas não ocultos. Como última observação, quero dizer que tenho um diploma em História, mas isso não faz de mim um historiador (se dependesse do conhecimento adquirido em Coimbra, seria um mero propagandista…).
Desde o último quartel do século XIX os judeus, inspirados pelo sionismo socialista, compraram terras no que seria a Palestina e promoveram a sua colonização por imigrantes da Europa de Leste e também da Rússia czarista, com especial destaque para o período pós-1905. Estes foram desde o início bem vindos por parte das autoridades otomanas e dos locais, que viam nisso uma oportunidade de progresso material e político. Porém, é preciso referir que a presença judaica na área sempre existiu, ainda que minoritária (pouco menos de 10%), e que a Palestina era uma região relativamente inabitada desde os tempos das invasões mongóis (400 mil habitantes em 1881).
Após os sucessos iniciais da revolta árabe contra o domínio turco, no contexto geral da Grande Guerra, o governo britânico emitiu a Declaração de Balfour (1917), que previa um território aberto à imigração judaica e a futura constituição de uma nação judia, com árabes cristãos e muçulmanos integrados, a oeste do rio Jordão. A mesma foi aceite com entusiasmo pelo líder da revolta, o xerife de Meca, que viu nisso um factor positivo que abriria as portas para uma cooperação frutífera entre árabes e judeus, e mais tarde foi confirmada pelo acordo Faisal-Weizman. Durante o mandato britânico, contudo, as populações muçulmanas locais, que haviam recebido bem os imigrantes judeus - é bom não esquecer que eles traziam, para além de capitais e contactos comerciais, o conhecimento e a tecnologia ocidental – foram pouco a pouco destituídas dos seus líderes moderados graças à acção de um membro de uma poderosa família local que havia servido no exército otomano e tardiamente aderiu à revolta árabe, Amin al-Husseini. No princípio dos anos 20, ele organizou grupos terroristas que se dedicaram com eficácia à perseguição e ao assassinato de todos os líderes políticos, intelectuais e homens de negócio árabes que defendiam uma coexistência pacífica com os judeus, monopolizando assim o poder sobre os árabes locais. O primeiro pogrom de judeus se deu já em 1923.
Como prémio pela sua acção, foi nomeado Mufti de Jerusalém pelo governador britânico, Herbert Samuel, ele próprio de origem judaica e ligado aos Rothschild, que sempre tiveram um papel ambíguo nessa questão. Através do terror, da extorsão e do poder económico, Husseini consolidou o poder da sua família em detrimento das grandes famílias árabes rivais. Seu objectivo era o domínio completo da Palestina e a obtenção de uma posição de relevo no nascente pan-arabismo - quiçá até a liderança de uma futura nação pan-árabe.
Durante os anos 30 este poder foi reforçado, graças em grande parte à inacção britânica, fruto do medo da alienação do Islão para a esfera germânica, e da conivência dos franceses na Síria, que faziam vista grossa à utilização do seu território por grupos que de lá atacavam os judeus e os árabes moderados da Palestina, por razões que tinham a ver tanto com o apaziguamento dos árabes radicais da Síria, quanto com a rivalidade face aos britânicos, com quem competiam por influência no Oriente Médio, apesar do acordo secreto de partilha Sykes-Picot (1916). O petróleo (ex:Mosul) já movia os interesses das potências, mas isto é uma outra estória.
A ascensão dos nacional-socialistas na Alemanha teve como consequência a aproximação destes a Amin al Husseini, que, mesmo com a política de conquista dos árabes por parte dos britânicos, encarava a presença britânica como um empecilho aos seus planos de uma Palestina livre de judeus, a maior ameaça ao seu objectivo de poder absoluto. Estes já somavam cerca de 400 mil indivíduos em toda a zona, em contraste com uns 700 mil árabes, apesar das enormes limitações que os britânicos impuseram à sua imigração para ganhar a boa vontade islâmica.
A política britânica se revelou um fracasso pois era fruto mais do improviso diante das circunstâncias criadas pelo interesse imediatista do que de uma estratégia coerente de longo prazo. Com a ascensão militar da Alemanha e a aproximação de interesses árabes e alemães, ligados tanto pela sua oposição ao império britânico como pelo ódio ao judeu, os anglo-saxões tentaram ganhar os árabes para o seu lado a todo o custo na certeza de que os judeus não poderiam se aliar ao NSDAP, sendo assim aliados à força. Também é de se referir que muitos dos funcionários britânicos na região, que possuíam uma influência fundamental na formulação da política para a Palestina, eram simpatizantes de Oswald Mosley, um assunto completamente omitido pela historiografia oficial. Não por acaso, um dos maiores críticos dessa política de apaziguamento foi Winston Churchill, um defensor convicto do cumprimento do que fora estipulado pela declaração de Balfour e da tomada de uma posição clara e firme por parte dos sucessivos ocupantes de Downing Street.
A escalada da violência conduzida por Husseini deitou por terra a possibilidade de se cumprir o objectivo dessa declaração, que previa que a zona a Oeste do Jordão ficaria livre para a imigração judaica e formaria um só estado, levando assim à proposição fugaz de se adoptar a formula que pôs fim ao conflito entre turcos e gregos, ou seja, a troca de população e a constituição de um estado puramente judaico numa parcela viável da Palestina. Mas a proposta foi deixada de lado por falta de vontade dos britânicos, receosos, como sempre, de alienar a boa vontade do mundo islâmico.
Um novo plano foi proposto (Plano Peel - 1937). Este previa a repartição da Palestina e a implantação de um território reduzido de maioria judaica que, nas palavras de Herbert Samuel, criava numa zona do tamanho de Gales um território do Sarre, um corredor polaco e cerca de meia dúzia de Danzigs! Nesse território claramente inviável viviam 260 mil judeus ao lado de 225 mil árabes.
Husseini recusou esse plano; não só por se opor aos judeus, mas também porque a proposta levaria à incorporação da zona de maioria árabe da Palestina à Transjordânia, perdendo assim o seu controlo absoluto sobre a população palestina árabe para o seu rival, o emir Abdullah.
A situação era crítica pois fora de Jerusalém, Haifa e Tel Aviv, os guerrilheiros de Husseini eram senhores absolutos do terreno, que dominavam com crueldade exemplar; tanto sobre os judeus como sobre os próprios árabes.
Entre 36 e 39, os seus terroristas mataram 494 árabes e 547 judeus, para além de destruir 200 mil árvores comerciais das propriedades judaicas e extorquir os empreendedores árabes de tal maneira que a maior parte foi obrigada a fugir para o Egipto, para a Síria e para o Chipre, aumentando o efeito devastador dessa guerra sobre a economia e criando uma cada vez maior dependência dos locais empobrecidos, e sem perspectivas, em relação às associações ligadas ao próprio Husseini; enfim, uma verdadeira dialéctica luciferiana estava a ser aplicada.
Um facto simbólico e revelador para o ocidental contemporâneo se deu em Agosto de 1938, quando uma Fatwa proibiu as vestimentas ocidentais entre os árabes e o kaffiyeh e o agal, símbolos dos “insurgentes” e hoje acessórios em moda entre socialistas de todos os matizes, foram tornados obrigatórios. O tarboosh (fez), tradicional vestimenta dos árabes urbanos da Palestina, desapareceu também. Foi assim que Husseini conseguiu tornar uma minoria de árabes que se opunham à presença judaica numa maioria radicalizada; através do terror e da doutrinação sobre os mais jovens, facilmente recrutáveis naquela conjuntura de total desesperança.
No próximo post escreverei acerca das relações do movimento de Husseini com o nacional-socialismo alemão e com o bolchevismo, além do contexto político geral no período imediatamente anterior à Segunda Grande Guerra e durante a mesma.
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