7.9.10

"Porque me atacam" - as respostas de Bento XVI

Publico integralmente um texto de Sandro Magister sobre Bento XVI. A versão portuguesa é da responsabilidade da equipa do grupo É O Carteiro, cuja subscrição se recomenda:
"Porque me atacam". Autobiografia de um pontificado Desde que foi elevado ao papado, Joseph Ratzinger é alvo de agressões in crescendo, no interior da Igreja e fora dela. Há alguma "mão invisível" que as ordena? Aqui indicamos o juízo e a explicação do Papa por Sandro Magister ROMA, 3 de Setembro de 2010 – Neste verão foram editados, nos Estados Unidos e em Itália, dois livros que reconstroem e analisam os ataques que, de muitos lados, se lançaram contra Bento XVI desde o começo do pontificado, com um crescendo que atingiu o cume neste ano. O livro de Gregory Erlandson e Matthew Bunson, editores de jornais católicos de grande difusão nos Estados Unidos, concentram-se no escândalo dos abusos sexuais do clero. Já o livro dos vaticanistas italianos Paolo Rodari e Andrea Tornielli estende a análise aos ataques contra outros actos e discursos de Bento XVI: da conferência de Regensburg á liberalização da Missa no rito antigo, da revogação da excomunhão aos bispos lefebvrianos à condenação do preservativo anti-SIDA, da recepção dos anglicanos na Igreja Católica ao escândalo da pedofilia. De cada uma destas situações, Rodari e Tornielli dão uma reconstrução muito cuidada, com enredo inédito. A conclusão que os autores tiram é a de que estão em curso três ataques diferentes contra Bento XVI, por mão de três inimigos diferentes. O primeiro e principal é o inimigo externo. São as correntes de opinião e os centros de poder hostis à Igreja e a este Papa. O segundo inimigo são os católicos – entre os quais há não poucos padres e bispos – que vêem Bento XVI como um obstáculo ao projecto de reforma "modernista" da Igreja que esses católicos têm. Por último, o terceiro inimigo são os funcionários da cúria vaticana que em vez de ajudar o Papa o embaraçam, por incapacidade, ignorância, ou também por oposição. Estas três fontes não estão necessariamente submetidas a uma direcção única. Porém, isso não impede de investigar se há nas três uma razão unificadora que explique ataques tão ásperos e contínuos, todos concentrados sobre o Papa actual. É o que fazem Rodari e Tornielli no último capítulo do livro, recolhendo a opinião de vários analistas e comentadores. Mas não menos importante é saber como é que o próprio Bento XVI interpreta os ataques lançados contra ele. * Na homilia da Missa de encerramento do Ano Sacerdotal, no passado dia 11 de Junho, também Bento XVI se referiu a um "inimigo". Com as seguintes palavras: "Era de esperar que este novo resplendor do sacerdócio não fosse visto com agrado pelo «inimigo»; este teria preferido vê-lo desaparecer, para que em definitivo Deus fosse posto fora do mundo. E assim aconteceu que, precisamente neste ano de alegria pelo sacramento do sacerdócio, vieram à luz os pecados dos sacerdotes – sobretudo o abuso contra crianças, no qual o sacerdócio enquanto serviço da solicitude de Deus em benefício do homem se transforma no contrário." E o Papa expressou-se desta maneira no começo da viagem a Fátima, no passado dia 11 de Maio: "Os ataques ao Papa e à Igreja vêm não só de fora. [...] A maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação" Nestas declarações intui-se que para Bento XVI também o horrível ano de 2010 há-de viver-se como um ano de graça, em paralelo com os anos anteriores, também eles preenchidos por ataques à Igreja e ao Papa Para ele estas coisas estão ligadas. A tribulação produzida pelo pecado é a condição da humanidade necessitada de salvação, uma salvação que apenas vem de Deus e é oferecida na Igreja com os sacramentos administrados pelos sacerdotes. Por isso, o Papa dá a entender que a rejeição de Deus coincide muitas vezes com um ataque ao sacerdócio e àquilo que é dele um sinal público: o celibato. No passado dia 10 de Junho, na vigília de encerramento do Ano Sacerdotal, Bento XVI disse que o celibato é uma antecipação "do mundo da ressurreição". É o sinal de que "Deus existe, de que Deus tem a ver com a minha vida, que posso fundar a minha vida em Jesus, na vida futura." Por isso – disse também – o celibato "é um grande escândalo". Não só para o mundo de hoje "em que Deus não entra", mas para a própria cristandade, em que "já não se pensa no futuro de Deus: só o presente deste mundo parece suficiente". Que o "tornar Deus presente neste mundo" é a prioridade da sua missão disse-o o Papa Joseph Ratzinger muitas vezes, em particular na memorável carta que escreveu aos bispos de todo o mundo, no dia 10 de Março de 2009. Mas vincular a questão de Deus à questão do sacerdócio e do celibato sacerdotal não é tão evidente. Mas apesar de tudo é justamente o que faz constantemente Bento XVI. Por exemplo, no final do ano de 2006, ao fazer um balanço da viagem à Alemanha, que tinha chocado pela conferência de Regensburg, depois de ter sublinhado que "o grande problema do Ocidente é o esquecimento de Deus", continuou dizendo que "esta é a tarefa central do sacerdote: levar Deus aos homens". Mas o sacerdote "pode fazê-lo apenas se ele mesmo provém de Deus, se vive com e por Deus". O celibato é sinal desta entrega plena: "O nosso mundo que se tornou totalmente positivista, no qual Deus entra em jogo no máximo como hipótese, mas não como realidade concreta, precisa deste apoiar-se em Deus do modo mais concreto e radical possível. Tem necessidade do testemunho por Deus que se encontra na decisão de acolher Deus como terra sobre a qual se funda a própria existência." Não espanta, pois, que, nas vésperas da sua elevação ao papado, Ratzinger tenha invocado uma reforma da Igreja que comece com a purificação que elimina a "sujidade", em primeiro lugar dos ministros de Deus. Não espanta que tenha pensado e convocado um Ano Sacerdotal com o objectivo de guiar o clero para uma vida santa. Não espanta que a liturgia seja tão central neste pontificado. O sacerdote vive para a liturgia. Foi ao sacerdote que Deus "confiou o encargo de preparar a mesa de Deus para os homens, dar-lhes o seu corpo e sangue, oferecer-lhes o dom precioso da sua presença". A liberalização da Missa no rito antigo, a revogação da excomunhão aos bispos lefebvrianos, a abertura às comunidades anglicanas mais vinculadas à Tradição é partes do mesmo desígnio. E todas são pontualmente alvo de ataque. Há uma misteriosa lucidez na visão que unifica os ataques ao actual pontificado, como se neles actuasse uma "mão invisível", oculta inclusivamente do olhar dos próprios actores. Uma mão, uma mente que intui o desígnio de fundo de Bento XVI e, em consequência, faz todo o possível para o confrontar. No Evangelho segundo S. Marcos há um "segredo messiânico" que acompanha a vida de Jesus e que fica escondido aos olhos dos discípulos, mas não aos olhos do "inimigo". O diabo é quem reconhece imediatamente em Jesus o Messias salvador. E berra contra ele. O paradoxo dos ataques de agora à Igreja é que, precisamente quando muitos a desejariam reduzir à impotência e ao silêncio, esses ataques desvela a sua essência, como o lugar do Deus que perdoa. "Doutor seráfico" [N.T.: seráfico - relativo aos serafins; Fig. místico; beatífico] é o título atribuído a S. Boaventura de Bagnoregio, um dos primeiros sucessores de S. Francisco no governo da Ordem fundada por ele. Poderia ser aplicado também a Bento XVI, pela forma como guia a Igreja no meio da tempestade. Na catequese que dedicou no passado dia 10 de Março a este santo – que estudou intensamente quando era um jovem teólogo –, o papa Ratzinger expressou o seu pensamento também sobre os "inimigos" internos na Igreja. Aos descontentes que pretendem uma palingénese (N.T. – um novo nascimento) radical da Igreja, um novo cristianismo espiritual configurado por Evangelho despojado, liberto de hierarquias, preceitos e dogmas, Bento XVI disse que é curto o passo que vai do espiritualismo à anarquia. A Igreja "é sempre Igreja de pecadores e é sempre lugar de graça". Progride e evolui, mas sempre em continuidade com a Tradição. Aos que, para reformar a Igreja, tudo apoiam em novas estruturas de comando e novos comandantes, ele disse que "governar não é simplesmente fazer, mas sobretudo pensar e rezar", isto é, "guiando e iluminando as almas, orientando-as para Cristo". Os ataques que se concentram sobre o papa Bento são para ele a prova de quão alto é o desafio que ele lança aos homens de hoje, a todos eles, também aos não crentes: "viver como se Deus existisse".

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