16.10.10

Simus cum Benedicto XVI et mulieribus pulchrissimis

Mais palavras do Papa sobre o logar das mulheres na religião cristã. Desta vez, duas mýsticas alemãs, músicas:
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 29 de Setembro de 2010
Resumos castelhano, italiano, inglês e alemão:
[Vídeo de todo o evento]
Estimados irmãos e irmãs
Hoje gostaria de vos falar de Santa Matilde de Hackeborn, uma das grandes figuras do mosteiro de Helfta, que viveu no século XIII. A sua irmã de hábito, Santa Gertrudes a Grande, no livro VI da obra Liber specialis gratiae (O livro da graça especial), em que são narradas as graças especiais que Deus concedeu a Santa Matilde, afirma assim: «O que escrevemos é muito pouco em comparação com o que omitimos. Publicamos estas coisas só para a glória de Deus e a utilidade do próximo, porque nos pareceria injusto manter o silêncio sobre as numerosas graças que Matilde recebeu de Deus, não tanto para si mesma, na nossa opinião, mas para nós e para aqueles que vierem depois de nós» (Mechthild von Hackeborn, Liber specialis gratiae, VI, 1).
Esta obra foi redigida por Santa Gertrudes e por outra irmã de hábito de Helfta, e contém uma história singular. Matilde, com cinquenta anos de idade, atravessava uma grave crise espiritual, unida a sofrimentos físicos. Nesta condição, confiou as duas irmãs de hábito amigas, as graças especiais com que Deus a tinha guiado desde a infância, mas não sabia que elas anotavam tudo. Quando o veio a saber, ficou profundamente angustiada e perturbada. Porém, o Senhor tranquilizou-a, fazendo-lhe compreender que quanto estava a ser escrito era para a glória de Deus e a vantagem do próximo (cf. ibid., II, 25; V, 20). Assim, esta obra é a fonte principal da qual haurir as informações sobre a vida e a espiritualidade da nossa Santa.
Com ela, somos introduzidos na família do Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da Turíngia, aparentada com o imperador Frederico II, e entramos no mosteiro de Helfta no período mais glorioso da sua história. O Barão já tinha dado ao mosteiro uma filha, Gertrudes de Hackeborn (1231/1232 — 1291/1292), dotada de uma personalidade acentuada, Abadessa por quarenta anos, capaz de dar um cunho peculiar à espiritualidade do mosteiro, levando-o a um florescimento extraordinário como centro de mística e de cultura, escola de formação científica e teológica. Gertrudes ofereceu às monjas uma elevada educação intelectual, que lhes permitia cultivar uma espiritualidade fundada na Sagrada Escritura, na Liturgia, na Tradição patrística, na Regra e na espiritualidade cisterciense, com preferência especial por São Bernardo de Claraval e Guilherme de Saint-Thierry. Foi uma verdaderia mestra, exemplar em tudo, na radicalidade evangélica e no zelo apostólico. Desde a infância, Matilde acolheu e saboreou o clima espiritual e cultural criado pela irmã, oferecendo depois a sua contribuição pessoal.
Matilde nasce em 1241, ou 1242, no castelo de Helfta; é a terceira filha do Barão. Com sete anos de idade, visita com a mãe a irmã Gertrudes no mosteiro de Rodersdorf. Fica tão fascinada por aquele ambiente, que deseja ardentemente fazer parte dele. Entra como educanda e, em 1258, torna-se monja no convento que, entretanto, se tinha transferido para Helfta, na quinta dos Hackeborn. Distingue-se por humildade, fervor, amabilidade, pureza e inocência de vida, familiaridade e intensidade com que vive a relação com Deus, a Virgem e os Santos. É dotada de elevadas qualidades naturais e espirituais, como «a ciência, a inteligência, o conhecimento das letras humanas, a voz de uma suavidade maravilhosa: tudo a tornava apta para ser no mosteiro um autêntico tesouro, sob todos os aspectos» (Ibid., Introdução). Assim, «o rouxinol de Deus» — como é chamada — ainda muito jovem, torna-se directora da escola do mosteiro, directora do coro, mestra das noviças, serviços que desempenha com talento e zelo incansável, não só em vantagem das monjas, mas de quem quer que desejasse haurir da sua sabedoria e bondade.
Iluminada pelo dom divino da contemplação mística, Matilde compõe numerosas orações. É mestra de doutrina fiel e de grande humildade, conselheira, consoladora e guia no discernimento: «Ela — lê-se — transmitia a doutrina com tal abundância, que jamais se tinha visto no mosteiro e, infelizmente, tememos que nunca mais se verá algo de semelhante. As religiosas reuniam-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus, como se fosse um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos e, como dom singular de Deus, tinha a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada um. Muitas pessoas, não só no Mosteiro, mas também estranhos, religiosos e seculares, vindos de longe, testemunhavam que esta santa virgem os tinha libertado dos seus sofrimentos e que nunca haviam experimentado tanta consolação como nela. Além disso, compôs e ensinou tantas orações que, se fossem reunidas, excederiam o volume de um saltério» (Ibid., VI, 1).
Em 1261 chegou ao convento uma criança de cinco anos, chamada Gertrudes: é confiada aos cuidados de Matilde, com apenas vinte anos, que a educa e guia na vida espiritual, a ponto de fazer dela não só a discípula excelente, mas também a sua confidente. Em 1271, ou 1272, entra no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. Assim, o lugar acolhe quatro grandes mulheres — duas Gertrudes e duas Matildes — glória do monaquismo germânico. Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligida por sofrimentos contínuos e intensos, aos quais se acrescentam as duríssimas penitências escolhidas para a conversão dos pecadores. Deste modo, participa na paixão do Senhor até ao fim da sua vida (cf. ibid., VI, 2). A oração e a contemplação são ohúmus vital da sua existência: as revelações, os seus ensinamentos, o seu serviço ao próximo, o seu caminho na fé e no amor encontram aqui a sua raiz e o seu contexto. No primeiro livro da obraLiber specialis gratiae, as redactoras reúnem as confidências de Matilde, cadenciadas nas festas do Senhor, dos Santos e, de modo especial, da Bem-Aventurada Virgem. É impressionante a capacidade que esta Santa tem de viver a Liturgia nos seus vários componentes, mesmo as mais simples, levando-a na vida monástica quotidiana. Algumas imagens, expressões e aplicações às vezes estão longe da nossa sensibilidade mas, se se consideram a vida monástica e a sua tarefa de mestra e directora de coro, compreende-se a sua capacidade singular de educadora e formadora, que ajuda as irmãs de hábito a viver intensamente, a partir da Liturgia, cada momento da vida monástica.
Na oração litúrgica, Matilde dá realce particular às horas canónicas, à celebração da Santa Missa e sobretudo à Sagrada Comunhão. Aqui é com frequência arrebatada em êxtase, numa profunda intimidade com o Senhor, no seu Coração ardentíssimo e dulcíssimo, num diálogo maravilhoso em que pede luzes interiores, enquanto intercede de modo especial pela sua comunidade e pelas suas irmãs de hábito. No centro estão os mistérios de Cristo, aos quais a Virgem Maria se refere constantemente para caminhar pela vida da santidade: «Se tu desejas a verdadeira santidade, está perto do meu Filho; Ele é a própria santidade, que santifica todas as coisas» (Ibid., I, 40). Nesta sua intimidade com Deus estão presentes o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores e os pecadores. Para ela, Céu e terra unem-se.
As suas visões, os seus ensinamentos e as vicissitudes da sua existência são descritos com expressões que evocam a linguagem litúrgica e bíblica. É assim que se entende o seu profundo conhecimento da Sagrada Escritura, que era o seu pão de cada dia. Recorre a ela continuamente, quer valorizando os textos bíblicos lidos na liturgia, quer haurindo símbolos, termos, paisagens, imagens e personagens. A sua predilecção é pelo Evangelho: «As palavras do Evangelho eram para ela um alimento maravilhoso e suscitavam no seu coração sentimentos de tanta docilidade, que muitas vezes, pelo entusiasmo, não conseguia terminar a sua leitura... O modo como lia aquelas palavras era tão fervoroso, que em todos suscitava a devoção. Assim também, quando cantava no coro, vivia totalmente absorvida em Deus, transportada por tanto ardor que às vezes manifestava os seus sentimentos com gestos... Outras vezes, como que arrebatada em êxtase, não ouvia quantos a chamavam ou a moviam, e mal conseguia retomar o sentido das coisas exteriores» (Ibid., VI, 1). Numa das visões, é o próprio Jesus quem lhe recomenda o Evangelho: abrindo-lhe a chaga do seu dulcíssimo Coração, diz-lhe: «Considera como é imenso o meu amor: se quiseres conhecê-lo bem, em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente do que no Evangelho. Ninguém jamais ouviu alguém manifestar sentimentos mais fortes e mais ternos do que estes: Assim como o meu Pai me amou, também Eu vos vos amei (Joan. XV, 9)» (Ibid., I, 22).
Caros amigos, a oração pessoal e litúrgica, especialmente a Liturgia das Horas e a Santa Missa, estão na raiz da experiência espiritual de Santa Matilde de Hackeborn. Deixando-se guiar pela Sagrada Escritura e alimentar pelo Pão eucarístico, Ela percorreu um caminho de união íntima com o Senhor, sempre em plena fidelidade à Igreja. Isto é para nós também um forte convite a intensificar a nossa amizade com o Senhor, sobretudo através da oração quotidiana e a participação atenta, fiel e concreta na Santa Missa. A Liturgia é uma grande escola de espiritualidade.
A discípula Gertrudes descreve com expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde de Hackeborn, duríssimos mas iluminados pela presença da Beatíssima Trindade, do Senhor, da Virgem Maria e de todos os Santos, mas inclusive da irmã de sangue, Gertrudes. Quando chegou a hora em que o Senhor quis chamá-la para junto de Si, ela pediu-lhe para poder viver ainda no sofrimento, para a salvação das almas, e Jesus compadeceu-se deste ulterior sinal de amor.
Matilde tinha 58 anos. Percorreu a última etapa caracterizada por oito anos de graves doenças. A sua obra e a sua fama de santidade difundiram-se amplamente. Quando chegou a sua hora, «o Deus de Majestade... única suavidade da alma que O ama... cantou-lhe: Venite vos, benedicti Patris mei... Vinde, ó vós que sois os benditos do meu Pai, vinde receber o reino... e associou-o à sua glória» (Ibid., VI, 8).
Santa Matilde de Hackeborn confia-nos ao Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria. Convida a louvar o Filho com o Coração da Mãe e a louvar Maria com o Coração do Filho: «Saúdo-te, ó Virgem veneradíssima, naquele orvalho dulcíssimo que do Coração da Santíssima Trindade se difundiu em ti; saúdo-te na glória e no júbilo com que agora te alegras eternamente, Tu que por preferência a todas as criaturas da terra e do Céu, foste eleita ainda antes da criação do mundo! Amém» (Ibid., I, 45).
Apelo
Dirijo os meus pensamentos também para a grave crise humanitária que atingiu recentemente a Nigéria setentrional, onde dois milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as próprias casas por causa das graves inundações. A quantos foram atingidos exprimo a minha proximidade espiritual e garanto as minhas orações.
Saudação
Saúdo, com fraterna amizade, os peregrinos vindos de Portugal e de demais países de língua portuguesa, cuja romagem se detém hoje junto do túmulo de São Pedro e nesta Audiência com o seu Sucessor: Obrigado pela vossa presença e oração! Peço a Cristo Senhor que guarde no seu Coração Sagrado as vossas famílias e comunidades cristãs, abençoando a todos com a sua paz e o seu amor.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL Praça de São Pedro
Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010 Santa Gertrudes
Resumos em castelhano, inglês, italiano e alemão:
[Auditote omnia verba]
Amados irmãos e irmãs!
Santa Gertrudes, a Grande, de quem gostaria de vos falar hoje, leva-nos esta semana ao mosteiro de Helfta, onde nasceram algumas das obras-primas da literatura religiosa feminina latino-alemã. É a este mundo que pertence Gertrudes, uma das místicas mais famosas, única mulher da Alemanha que recebeu o apelativo «Grande», pela estatura cultural e evangélica: com a sua vida e pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e de excepcionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados. Em Helfta confronta-se, por assim dizer, sistematicamente, com a sua mestra Matilde de Hackeborn, da qual falei na Audiência da quarta-feira passada; entra em relacionamento com Matilde de Magdeburgo, outra mística medieval; e cresce sob o cuidado materno, dócil e exigente, da Abadessa Gertrudes. Destas três irmãs de hábito ela enriquece-se com tesouros de experiência e sabedoria; elabora-os numa síntese sua, percorrendo o seu itinerário religioso com confiança ilimitada no Senhor. Exprime a riqueza da espiritualidade não apenas do seu mundo monástico, mas também e sobretudo do bíblico, litúrgico, patrístico e beneditino, com um timbre extremamente pessoal e com grande eficácia comunicativa. Nasceu no dia 6 de Janeiro de 1256, festa da Epifania, mas nada se sabe dos seus pais, nem do lugar de nascimento. Gertrudes escreve que o próprio Senhor lhe revela o sentido deste seu primeiro desarraigamento: «Escolhi-a como minha morada, porque me apraz que tudo quanto existe de amável nela seja minha obra [...] Foi precisamente por este motivo que a afastei de todos os seus parentes, a fim de que ninguém a amasse por razão de consanguinidade, e Eu fosse o único motivo do afecto que se lhe reserva» (Le Rivelazioni, i, 16, Sena 1994, pp. 76-77). Entra no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorreu toda a sua existência, da qual ela mesma assinala as etapas mais significativas. Nas suas memórias, recorda que o Senhor a preveniu com paciência longânime e misericórdia infinita, esquecendo os anos da infância, adolescência e juventude, transcorridos — escreve — «em tal ofuscamento da mente, que teria sido capaz [...] de pensar, dizer ou fazer sem qualquer remorso tudo aquilo que me fosse do meu agrado e onde quer eu pudesse, se tu me tivesses prevenido, quer com um ínsito horror do mal e uma inclinação natural para o bem, quer com a vigilância externa dos outros. Ter-me-ia comportado como uma pagã [...] e isto, embora tu quisesses que desde a infância, ou seja a partir do meu quinto ano de idade, eu habitasse no santuário bendito da religião, para ali ser educada no meio dos teus amigos mais devotos» (Ibid.,ii, 23, p. 140 s.). Gertrudes é uma estudante extraordinária, aprende tudo quanto se pode aprender das ciências do Trívio e do Quadrívio, a formação daquela época; é fascinada pelo saber e dedica-se ao estudo profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além de qualquer expectativa. Embora nada saibamos das suas origens, ela diz-nos muito das suas paixões juvenis: a literatura, a música, o canto e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida, imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade, pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere tanto. Como estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante vinte anos, não acontece nada de extraordinário: o estudo e a oração são a sua actividade principal. Pelos seus dotes, sobressai entre as irmãs de hábito; é tenaz na consolidação da sua cultura em diversos campos. Mas, durante o Advento de 1280, começa a sentir desgosto por tudo isto, sente vaidade disto e, a 27 de Janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, por volta da hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e docilidade, acalma a inquietação que a angustia, inquietação que Gertrudes vê como um dom do próprio Deus, «para abater aquela torre de vaidade e de curiosidade que, embora infelizmente tivesse o nome e o hábito de religiosa, eu ia erguendo com a minha soberba, para encontrar pelo menos assim o caminho para me mostrar a tua salvação» (Ibid., ii, 1, p. 87). Ela tem a visão de um jovem que a leva a superar o enredo de espinhos que oprime a sua alma, guiando-a pela mão. Naquela mão, «o traço precioso daquelas chagas que abrogaram todos os actos de acusação dos nossos inimigos» (Ibid., ii, 1, p. 89), reconhece Aquele que, na Cruz, nos salvou com o seu sangue, Jesus. A partir daquele momento, a sua vida de íntima comunhão com o Senhor intensifica-se, sobretudo nos tempos litúrgicos mais significativos — Advento-Natal, Quaresma-Páscoa, festa da Virgem — mesmo quando, doente, não podia ir ao coro. É o mesmo húmus litúrgico de Matilde, sua mestra, que contudo Gertrudes descreve com imagens, símbolos e termos mais simples e lineares, mais realistas, com referências mais directas à Bíblia, aos Padres e ao mundo beneditino. A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde criança a tinha levado a participar no banquete da vida monástica, chama-a com a sua graça «das coisas externas para a vida interior e das ocupações terrenas para o amor das realidades espirituais». Gertrudes compreende que está distante dele, na região da dissemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; que se tinha dedicado com demasiada avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; agora é conduzida para o monte da contemplação, onde deixa o homem velho para se revestir do novo. «De gramática torna-se teóloga, com a leitura incansável e atenta de todos os livros sagrados que podia ter ou encontrar, enchia o seu coração com as frases mais úteis e dóceis da Sagrada Escritura. Por isso, tinha sempre pronta alguma palavra inspirada e de edificação com a qual satisfazer quem ia consultá-la e, ao mesmo tempo, os textos das Escrituras mais adequados para rejeitar qualquer opinião errada e fechar a boca aos seus opositores» (Ibid.,i, 1, p. 25). Gertrudes transforma tudo isto em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo a Igreja com amor e fidelidade, a ponto de ser útil e agradável aos teólogos e às pessoas piedosas. Resta-nos pouco desta sua intensa actividade, também por causa das vicissitudes que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do Arauto do amor divino ou das Revelações, dispomos ainda dos Exercícios espirituais, uma jóia rara da literatura mística espiritual. Na observância religiosa, a nossa Santa é «uma coluna sólida [...] firmíssima propugnadora da justiça e da verdade» (Ibid., i, 1, p. 26), diz a sua biógrafa. Com as palavras e com o exemplo, suscita nos outros um grande fervor. Às orações e às penitências da regra monástica acrescenta outras, com tanta devoção e tal abandono confiante em Deus, que chega a suscitar naqueles que a encontram a consciência de estar na presença do Senhor. E com efeito, é o próprio Deus que a leva a compreender que a chamou para ser instrumento da sua Graça. Deste imenso tesouro divino, Gertrudes sente-se indigna, e confessa que não o conservou nem valorizou. Exclama: «Ai de mim! Se Tu me tivesses dado como tua recordação, indigna como sou, até um único fio de estopa, contudo eu deveria ter considerado com maior respeito e reverência quanto recebi dos teus dons!» (Ibid., II, 5, p. 100). Mas, reconhecendo a sua pobreza e a sua indignidade, ela adere à vontade de Deus, «porque — afirma — aproveitei tão pouco das tuas graças que não consigo acreditar que tenham sido concedidas unicamente a mim, dado que a tua sabedoria eterna não pode ser frustrada por ninguém. Faz, portanto, ó Doador de todo o bem, que me concedeste gratuitamente dádivas tão indevidas que, lendo este escrito, o coração de pelo menos um dos teus amigos se comova ao pensamento de que o zelo das almas te induziu a deixar por tanto tempo uma gema de valor tão inestimável no meio do barro abominável do meu coração» (Ibid., ii, 5, p. 100 s.). Em particular, dois favores são-lhe mais queridos que todos os outros, como a própria Gertrudes escreve: «Os estigmas das tuas chagas salubres que me imprimiste, como se fossem colares preciosos, no coração; e a profunda e salutar ferida de amor com que me marcaste. Tu inundaste-me com estes dons de tanta bem-aventurança que, mesmo se eu vivesse mil anos sem qualquer consolação interna ou externa, a sua recordação seria suficiente para me confortar, iluminar e encher de gratidão. Quiseste ainda introduzir-me na intimidade inestimável da tua amizade, abrindo-me de várias formas aquele sacrário nobilíssimo da sua Divindade, que é o teu Coração divino [...] A este acúmulo de benefícios acrescentaste outro, concedendo-me como Advogada a Santíssima Virgem Maria, tua Mãe, e recomendando-me com frequência ao seu carinho, como o mais fiel dos esposos poderia recomendar à própria mãe a sua dilecta esposa» (Ibid., ii, 23, p. 145). Orientada para a comunhão sem fim, conclui a sua vicissitude terrena no dia 17 de Novembro de 1301, ou 1302, com cerca de 46 anos. No sétimo Exercício, o da preparação para a morte, Santa Gertrudes escreve: «Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, está sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo, sem possibilidade de separação, e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal modo que o meu espírito, livre dos vínculos da carne, possa encontrar repouso imediatamente em ti. Amém!» (Esercizi, Milão 2006, p. 148). Parece-me óbvio que estas não são apenas coisas do passado, históricas, mas a existência de Santa Gertrudes permanece uma escola de vida cristã, de caminho recto, e mostra-nos que o centro de uma vida feliz, de uma vida autêntica, é a amizade com Jesus, o Senhor. E esta amizade aprende-se no amor pela Sagrada Escritura, no amor pela liturgia, na fé profunda, no amor por Maria, de maneira a conhecer cada vez mais realmente o próprio Deus e assim a verdadeira felicidade, a meta da nossa vida. Obrigado!
Saudação
Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha cordial saudação para todos, em particular para os grupos do Brasil e de Portugal, da paróquia dos Milagres na Bidoeira. Este mês do Rosário incita-nos a perseverar na reza diária do terço; que, desta forma, as vossas famílias se reúnam com a Virgem Mãe, para aprender a cooperar plenamente com os desígnios de salvação que Deus tem sobre vós. Como encorajamento e penhor de graças, de coração vos dou a minha Bênção Apostólica.
Santas Matilde e Gertrudes, rogai por nós.

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